Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, (Fazenda do Pombal, batizado em
12 de novembro de
1746 —
Rio de Janeiro,
21 de abril de
1792) foi um
dentista,
tropeiro, minerador,
comerciante,
militar e ativista político
brasileiro. No
Brasil, é reconhecido como
mártir da
Inconfidência Mineira, patrono cívico e
herói nacional.
Biografia
Nascido num sítio no distrito de Pombal, próximo ao arraial de Santa Rita do Rio Abaixo, à época território disputado entre as vilas de
São João del-Rei e
São José do Rio das Mortes, nas
Minas Gerais, da Silva Xavier era filho do
português Domingos da Silva Santos,
proprietário rural, e da
brasileira Maria Antônia da Encarnação Xavier, tendo sido o quarto dos sete filhos. Em
1755, após o falecimento da mãe, segue junto a seu pai e irmãos para a sede da
Vila de São José; dois anos depois, já com onze anos, morre seu pai. Com a morte prematura dos pais, logo sua família perde as propriedades por dívidas. Não fez estudos regulares e ficou sob a tutela de um padrinho, que era cirurgião. Trabalhou como mascate e minerador, tornou-se sócio de uma botica de assistência à pobreza na ponte do Rosário, em
Vila Rica, e se dedicou também às práticas farmacêuticas e ao exercício da profissão de dentista, o que lhe valeu a alcunha
Tiradentes, um tanto depreciativa. Não teve êxito em suas experiências no comércio.
Com os conhecimentos que adquirira no trabalho de mineração, tornou-se técnico em reconhecimento de terrenos e na exploração dos seus recursos. Começou a trabalhar para o governo no reconhecimento e levantamento do sertão brasileiro. Em
1780, alistou-se na tropa da capitania de
Minas Gerais; em
1781, foi nomeado comandante do destacamento dos Dragões na patrulha do
Caminho Novo, estrada que servia como rota de escoamento da produção mineradora da província ao
Rio de Janeiro. Foi a partir desse período que Tiradentes começou a se aproximar de grupos que criticavam a exploração do Brasil pela metrópole, o que ficava evidente quando se confrontava o volume de riquezas tomadas pelos portugueses e a pobreza em que o povo permanecia. Insatisfeito por não conseguir promoção na carreira militar, tendo alcançando apenas o posto de
alferes, patente inicial do oficialato à época, e por ter perdido a função de comandante da patrulha do Caminho Novo, pediu licença da
cavalaria em
1787.
Morou por volta de um ano na cidade carioca, período em que idealizou projetos de vulto, como a canalização dos rios
Andaraí e
Maracanã para a melhoria do abastecimento d'água no
Rio de Janeiro; porém, não obteve aprovação para a execução das obras. Esse desprezo fez com que aumentasse seu desejo de liberdade para a colônia. De volta às
Minas Gerais, começou a pregar em
Vila Rica e arredores, a favor da independência daquela província. Organizou um movimento aliado a integrantes do clero e da elite mineira, como
Cláudio Manuel da Costa, antigo secretário de governo,
Tomás Antônio Gonzaga, ex-ouvidor da comarca, e
Inácio José de Alvarenga Peixoto, minerador. O movimento ganhou reforço ideológico com a
independência das colônias estadunidenses e a formação dos
Estados Unidos da América. Ressalta-se que, à época, oito de cada dez alunos brasileiros em
Coimbra eram oriundos das Minas Gerais, o que permitiu à elite regional acesso aos ideais liberais que circulavam na
Europa.
Além das influências externas, fatores regionais e econômicos contribuíram também para a articulação da conspiração nas Minas Gerais. Com a constante queda na receita provincial, devido ao declínio da atividade mineiradora, a administração de
Martinho de Melo e Castro instituiu medidas que garantissem o
quinto, imposto que obrigava os moradores das Minas Gerais a pagar, anualmente, cem
arrobas de
ouro, destinadas à Real Fazenda. A partir da nomeação de
Luís da Cunha Meneses como governador da província, em
1782, ocorreu a marginalização de parte da elite local em detrimento de seu grupo de amigos. O sentimento de revolta atingiu o máximo com a decretação da
derrama, uma medida administrativa que permitia a cobrança forçada de impostos atrasados, mesmo que preciso fosse confiscar todo o dinheiro e bens do devedor, a ser executada pelo novo governador das Minas Gerais,
Luís Antônio Furtado de Mendonça,
6.º visconde de Barbacena (futuro
conde de Barbacena), o que afetou especialmente as elites mineiras. Isso se fez necessário para se saldar a dívida mineira acumulada, desde
1762, do quinto, que à altura somava 538 arrobas de ouro em impostos atrasados.
O movimento se iniciaria na noite da insurreição: os líderes da inconfidência sairiam às ruas de
Vila Rica dando vivas à
República, com o que ganhariam a imediata adesão da população. Porém, antes que a conspiração se transformasse em revolução, foi delatada aos portugueses por
Joaquim Silvério dos Reis,
coronel,
Basílio de Brito Malheiro do Lago,
tenente-coronel, e
Inácio Correia de Pamplona,
açoriano, em troca do perdão de suas dívidas com a Real Fazenda. Assim, o visconde de Barbacena suspendeu a derrama e ordenou a prisão dos conjurados em
1789. Avisado, Tiradentes escondeu-se na casa de um amigo no Rio de Janeiro, mas foi descoberto por
Joaquim Silvério dos Reis, que o acompanhara em sua fuga a mando de Barbacena. Anos depois, por sua delação e outros serviços prestados à Coroa, dos Reis receberia o título de
Fidalgo.
Dentre os inconfidentes, destacaram-se os padres
Carlos Correia de Toledo e Melo,
José da Silva e Oliveira Rolim e
Manuel Rodrigues da Costa, o tenente-coronel
Francisco de Paula Freire de Andrade,
comandante dos
Dragões, os coronéis
Domingos de Abreu e
Joaquim Silvério dos Reis (um dos
delatores do movimento), os poetas
Cláudio Manuel da Costa,
Inácio José de Alvarenga Peixoto e
Tomás Antônio Gonzaga, ex-ouvidor.
Os principais planos dos inconfidentes eram: estabelecer um governo republicano independente de
Portugal, criar manufaturas no país que surgiria, uma universidade em
São João del-Rei e fazer desta a capital. Seu primeiro presidente seria, durante três anos,
Tomás Antônio Gonzaga, após o qual haveria eleições. Nessa república não haveria
exército – em vez disso, toda a população deveria usar armas, e formar uma milícia quando necessária. Há que se ressaltar que os inconfidentes visavam apenas a autonomia da província das Minas Gerais, e em seus planos não estava prevista a libertação dos escravos africanos, apenas daqueles nascidos no Brasil.
Negando a princípio sua participação, Tiradentes foi o único a, posteriormente, assumir toda a responsabilidade pela
Inconfidência, inocentando seus companheiros. Presos, todos os
inconfidentes aguardaram durante três anos pela finalização do processo. Alguns foram condenados à morte e outros ao
degredo; algumas horas depois, por carta de clemência de D. Maria I, todas as sentenças foram alteradas para
degredo, à exceção apenas para Tiradentes, que permaneceu com a pena capital. Em parte por ter sido o único a assumir a responsabilidade, em parte, provavelmente, por ser o incofidente de posição social mais baixa, haja vista que todos os outros ou eram mais ricos, ou detinham patente militar superior. Por esse mesmo motivo é que se cogita que Tiradentes seria um dos poucos inconfidentes que eram
maçons.
E assim, numa manhã de
sábado,
21 de abril de
1792, Tiradentes percorreu em procissão as ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro, no trajeto entre a cadeia pública e onde fora armado o patíbulo. O governo geral tratou de transformar aquela numa demonstração de força da coroa portuguesa, fazendo verdadeira encenação. A leitura da sentença estendeu-se por dezoito horas, após a qual houve discursos de aclamação à rainha, e o cortejo munido de verdadeira fanfarra e composta por toda a tropa local. Bóris Fausto aponta essa como uma das possíveis causas para a preservação da memória de Tiradentes, argumentando que todo esse espetáculo despertou a ira da população que presenciou o evento.
Executado e esquartejado, com seu sangue se lavrou a certidão de que estava cumprida a sentença, tendo sido declarados infames a sua memória e os seus descendentes. Sua cabeça foi erguida em um poste em
Vila Rica, tendos sido rapidamente cooptada e nunca mais localizada; os demais restos mortais foram distribuídos ao longo do Caminho Novo:
Cebolas,
Varginha do Lourenço,
Barbacena e
Queluz (antiga
Carijós), lugares onde fizera seus discursos revolucionários. Arrasaram a casa em que morava, jogando-se sal ao terreno para que nada lá germinasse.
Legado
Tiradentes permaneceu, após a
Independência do Brasil, uma personalidade histórica relativamente obscura, dado o fato de que, durante o
Império, os dois monarcas,
D. Pedro I e
D. Pedro II, pertenciam à
casa de Bragança, sendo, respectivamente, neto e bisneto de D. Maria I, quem havia emitido a sentença de morte de Tiradentes. Foi a
República – ou, mais precisamente, os ideólogos
positivistas que presidiram sua fundação – que buscaram na figura de Tiradentes uma personificação da identidade republicana do Brasil, mitificando a sua biografia. Daí a sua iconografia tradicional, de barba e camisolão, à beira do cadafalso, vagamente assemelhada a
Jesus Cristo e, obviamente, desprovida de verossimilhança. Como militar, o máximo que Tiradentes poder-se-ia permitir era um discreto bigode. Na prisão, onde passou os últimos três anos de sua vida, os detentos eram obrigados a raspar barba e cabelo a fim de evitar
piolhos. Também, o nome do movimento, "Inconfidência Mineira", e de seus participantes, os "incofidentes", foi cunhado posteriormente, denotando o caráter negativo da sublevação – inconfidente é aquele que trai a confiança.
Tiradentes nunca se casou, mas teve dois filhos: João, com a
mulata Eugênia Joaquina da Silva, e Joaquina, com a
ruiva Antônia Maria do Espírito Santo, que vivia em Vila Rica. Atualmente, foi concedida à sua tetraneta Lúcia de Oliveira Menezes, por meio da lei federal 9255/96, uma
pensão especial do
INSS no valor de
R$ 200,00, o que causou polêmica sobre a
natureza jurídica deste subsídio, mas solucionado pelo
STF no
agravo de instrumento 623.655.
[2]Atualmente, onde se encontrava sua prisão foi erguido o
Palácio Tiradentes; onde foi enforcado ora se encontra a
Praça Tiradentes e onde sua cabeça foi exposta fundou-se outra
Praça Tiradentes. Em Ouro Preto, na antiga cadeia, hoje há o
Museu da Inconfidência. Tiradentes é considerado atualmente Patrono Cívico do Brasil, sendo a data de sua morte,
21 de abril, feriado nacional. Seu nome consta no Livro de Aço do
Panteão da Pátria e da Liberdade, sendo considerado Herói Nacional.